Resumo

A pesquisa sobre a reforma agrária no Ceará, da qual resulta este trabalho, trata, em primeiro lugar da ação governamental no tocante à redistribuição da posse da terra e, por conseguinte, da reforma agrária dentro de uma estrita definição deste conceito. No decorrer do presente trabalho tornar-se-á claro, contudo, que a simples concessão de terras, sem as devidas medidads de apoio, torna-se um projeto ineficaz.

Como principais - e estreitamente interligados - objetivos de uma reforma agrária podem ser salientados, primeiramente, um incremento da produção e, em conseqüência disto, um aumento tanto dos rendimentos nas propriedades, de uma forma isolada, quanto da renda nacional como um todo. Através desta via, poderão ser combatidos a pobreza e outros fenômenos sociais nocivos como, por exemplo, o êxodo rural e seus desdobramentos. Tudo isso, ao final, condiciona o desenvolvimento de uma região.

Na primeira parte do trabalho é demonstrado, com base em uma perspectiva teórica, que a concretização destes objetivos pode ser atingida através de uma reforma agrária. Quanto a isto percebe-se, primeiramente, que a reestruturação do campo constitui muito menos uma redistribuição de renda que uma distribuição das possibilidades de, no futuro, se atingir um aumento da renda.

Se espera atingir uma distribuição mais razoável da renda nacional aumentada sobre tudo através de efeitos alocativos: a implementação de um número adicional de fatores de produção (principalmente terra e força de trabalho) - antes não utilizados - em pequenas propriedades. As pequenas estruturas agrícolas, em países considerados econômicamente atrasados, geralmente utilizam o solo de forma mais eficiente que a grande propriedade. Por esse motivo, fala-se de uma alocação mais eficiente dos fatores existentes na economia – ou de uma eficiência estática melhorada – através da conversão do latifúndio em pequenas propriedades familiares.

Estes efeitos estáticos são complementados, a longo prazo, por efeitos dinámicos como, por exemplo, o aumento das quotas de poupança e investimento.

Assim, a teoria nos permite supor que uma reforma agrária conduziria a um incremento da produção agrícola, bem como da renda nacional, e que, baseada na reestruturação em direção à pequena propriedade seria também realizada uma distribuição de renda de forma mais igualitária.

Finalmente, uma reforma agrária poderia, através da absorção de uma força de trabalho antes ociosa, aliviar a sobrecarga sobre o mercado de trabalho tanto no campo quanto nas cidades.

A segunda parte expõe, primeiro, as condições adversas relativas ao clima e à geografia para a agricultura no Ceará e aborda o grande significado da viabilização da irrigação. Em seguida, é demonstrado que a grande extensão da pobreza no campo deste Estado do Brasil se deve também em alto grau à estrutura agrária extremamente concentrada, quer dizer, grande parte das propriedades agrícolas menores estão confinadas a uma insignificante superfície de terra. Disso resulta, como conseqüência lógica, a possibilidade de se combater a pobreza através de uma reforma agrária.

Depois de séculos de consolidada concentração da posse da terra pode-se afirmar que o projeto de reforma agrária, iniciado somente há cerca de quinze anos em ámbito nacional e estadual, veio a ganhar força apenas no último quinquénio. Do ponto de vista de extensão, entre os diferentes modelos de reforma agrária realizados no Ceará até setembro de 1999, aquele conduzido pelo INCRA é o que mais se destaca. Neste, o Estado desapropria terras não cultivadas, pagando uma compensação aos antigos donos, e redistribui essas terras a minifundistas ou trabalhadores rurais sem terra. No entanto, o moderno projeto intitulado "Reforma Agrária Solidária", descentralizado e com orientação ao mercado, poderá, futuramente, ganhar ainda maior importância. Este modelo foi creado no ano 1996 no Ceará, depois levado à realização como projeto piloto no Nordeste do Brasil (Cédula da Terra) e, atualmente, o governo federal, com apoio do Banco Mundial e em cooperação com os Estados, está estendendo este modelo ao país inteiro no programa Banco da Terra.

Contudo, através de uma análise da amplitude das medidas até agora realizadas, percebe-se que estas não são, nem de longe, suficientes: As terras distribuidas até agora representam apenas 9% da terra qualificada pelo INCRA como sendo improdutiva.

O número total de famílias sem terra no Ceará é estimado em 200.000 pelo IDACE e em 313.500 pelo MST. Destas calcula-se que apenas cerca de 10% foram incluídas no programa de reforma agrária até agora.

Na terceira parte do trabalho realiza-se uma análise sobre os efeitos da reforma agrária no que diz respeito aos rendimentos das famílias beneficiadas, não se percebendo, contudo, quase nenhum sinal positivo de desenvolvimento no caso do Ceará. São valorizados aqui seis estudos que analizam um total de 17 assentamentos dos diferentes programas de reforma agrária (o projeto desenvolvido pelo INCRA, a "Reforma Agrária Solidária" e o modelo anterior do Governo do Estado).

Na verdade, seria possível afirmar, tal como demonstrado teoricamente na primeira parte do trabalho, que, aparentemente, a produção, e com isso os rendimentos das famílias assentadas, foram aumentados. Por conseguinte, um dos objetivos da reforma agrária, o combate à pobreza, teria sido em certo grau alcançado. Contudo, a dimensão dos ganhos obtidos pelas famílias encontra-se em um nível que continua beirando os limites da pobreza. Em alguns casos ou, dependendo do critério, na maioria deles, mesmo as necessidades básicas não são asseguradas. A média dos rendimentos mensais das famílias nos assentamentos pesquisados gira em torno de 1,37 salários mínimos, enquanto o custo médio de uma cesta básica para uma família chega a mais de dois salários mínimos por mês. Além disso, os baixos rendimentos não levam a crer na possibilidade de realização a curto prazo do objetivado crescimento autônomo, quer dizer, da emancipação dos assentamentos.

Baseado nestes tímidos resultados na microesfera dos próprios assentamentos, ou melhor, da propriedade familiar, bem como na relativamente pequena abrangência dos diferentes programas de reforma agrária no Ceará, pode-se dizer, da mesma forma, que é improvável que se atinja um progresso de vulto na consecução dos objetivos econômicos globais. Esta avaliação é reforçada pelo retrocesso do produto social agropecuário nos últimos anos e pelo fato de que não houve nenhuma melhoria no que tange à distribuiçâo de renda na área rural do Ceará.

As principais causas para estes resultados inexpressivos encontram-se, em muitos assentamentos, por um lado no pequeno tamanho dos lotes distribuídos. Estes, freqüentemente, não atingem o tamanho mínimo para serem enquandrados nem como módulo fiscal, nem como fração mínima de parcelamento, conceitos determinados pelo próprio INCRA como medidas mínimas para unidades econômicamente produtivas. Por outro lado, percebem-se como pontos extremamente negativos - e isto fica claro também nos exemplos trabalhados - a deficiência nas medidas de apoio como, por exemplo, a distribuição retardada de créditos para investimento e aquisição de meios de produção, bem como a falta de capacitação e assistência técnica aos assentados. Não raramente, as famílias são deixadas ao abandono em suas propriedades.

Os pálidos resultados no Ceará não devem, contudo, funcionar como argumento contra a reforma agrária em si. Um bom número de exemplos retirados de vários estudos (como por exemplo vários assentamentos em outras regiões do Brasil pesquisados pela FAO ou o Assentamento Santana, aqui analisado) revelam que, com apoio suficiente, se pode conseguir um desenvolvimento com êxito nos assentamentos.

Se o processo realizado nos últimos anos for levado a cabo de forma ainda mais intensa no futuro, haverá motivos de esperança de se solucionar, a médio ou longo prazo, o velho problema da concentração da terra e, conseqüentemente, da pobreza rural no Brasil.

No entanto, para que isso aconteça de uma maneira econômica e socialmente satisfatória, faz-se necessária uma melhoria significativa sobretudo na implementação das medidas de apoio aos assentados. Somente assim se poderá refutar convincentemente a voz dos críticos que negam - não sem razão - o caráter de uma real reforma agrária nos programas oficiais atualmente executados e chegam mesmo a falar de uma "não reforma agrária".

  • (Tradução: Manoel F. da Silva Jr.)